sexta-feira, abril 09, 2010

4 ANUS E MEIO DE CRÓNICAS: COMATOSE EDITORIAL



Os autores dissertam sobre aquilo que sempre acharam na realidade sobre a criação do blog – não tem futuro.

1 Ânu de Crónicas: Autocrítica e auto estima


“(…) enquanto formos capazes de manter isto como uma alegre campanha ou uma tertúlia ondulante, vamos manter o privilégio que é servir-vos com as nossas crónicas.”


- 2 Ânus de Crónicas: Consagração ou Ilusão?

“(…) novos desafios surgem perante nós e que apesar de lutarmos com o desemprego, a falta de tempo e algumas vezes contra (des)inspiração, uma coisa garantimos, estaremos aqui para celebrar o 3° ano de Crónicas.”

- 3 Ânus de Crónicas: ……….nicles!

Resultado: não confiem nos autores deste blog.


Volvidos 4 anos e meio do nascimento do nosso blog, e apesar da sua pontual reprodução em outros meios, a verdade é só uma: isto não vai a lado nenhum! É por isso que já está em preparação a segunda edição do livro homónimo de grande sucesso nos cestos de reciclagem!

Falando somente em termos de blog, este último ano foi parco em rasgos criativos, sendo para isso muito responsável a fuga para o estrangeiro do Searaman devido às acusações de zoofilia e no caso do Blinkboy…pura e simplesmente nunca escreveu nada de jeito.

Por isso, e para não defraudar o pessoal, aqui deixamos dois objectivos realistas para o ano de 2010: FAZER 5 CRÓNICAS (já vamos em 2), e COLOCAR UMA FOTO DE UM DOS BLOGGERS EM TRONCO NÚ!

Oito Séculos de Tunning – O Síndrome das Capelas Imperfeitas – por Searaman



Oito séculos de operações estéticas nas igrejas de Portugal.



1.

Escrevo uma memória. Fui visitar uma igreja na minha cidade. O templo é classificado como monumento nacional, mas não sabia que a classificação incluía uma autorização para colocar vitrais do século XXI, nas janelas do século XV. Desconhecia o facto, e fui surpreendido pelas declarações de um trabalhador cultural; ao fim de seis séculos a catedral recebe uns vitrais contemporâneos; quiçá a reprodução de um modelo da IKEA para as igrejas do mundo católico.


No nosso país quando se preserva um monumento, reconstrói-se e deixa-se sempre uma impressão digital. É a projecção dos egos, que procuram a vertigem do azul - uma notoriedade catedrática que termina muitas vezes no desfraldar de uma placa votiva, placas de natureza trivial, ou nos casos mais obscenos, fazem a apologia do autarca da terra.


E assim, alguém mais tarde vai recordar no século XXII os casos dos vitrais (quando o telhado do templo for em carbono e o chão sintético aquecer automaticamente), e da placa comemorativa do presidente da câmara em bronze. A posteridade encarregar-se-á de continuar o tunning nos monumentos. Está nos genes, é impossível retirar este gene mau da medula óssea. Não dá!!!


Um adereço que falta acrescentar neste fenómeno tunning, é o cheiro de cadáver em decomposição. Que saudades dos enterros nas igrejas! O odor entra por osmose nas pessoas e faz-lhes pensar nos grandes desígnios do cristianismo, a morte e ressurreição. Certamente que agora se evapora mais facilmente o Chanel nº 5 das senhoras ou a colónia mais tóxica “que não é para rapazes”, do que o cheiro da morte. Morte e ordem ordenam os coros da igreja.


2.

Séculos de aplicação de rendas e “naperons” em fachadas transformaram os templos católicos de Portugal em memórias frias de avós tementes a deus viciadas em doces conventuais. E cada renda e “naperon” têm um nome específico. Por exemplo estamos a falar de nomenclaturas como bizantino, visigótico, moçárabe, românico, gótico, renascentista, maneirista, barroco, neoclássico e contemporâneo e que são aplicados nas construções religiosas, estamos a referirmo-nos a estilos que apesar de se tocarem de leve, sustentam o toque de seda que os caracteriza. Mas não em Portugal, por cá reina um ecletismo ímpar, reconstruímos uma base de uma escadaria ou de um capitel com argamassa da CIMPOR. Mas ninguém se parece incomodar com isso. Basta visitar dois dos nossos maiores monumentos, o Mosteiro dos Jerónimos e o Mosteiro da Batalha para observar a sobreposição de camadas, vontades de gentes de um tempo passado. A arquitectura religiosa nacional vive a síndrome das capelas imperfeitas. Fica tudo incompleto e imóvel no tempo ou então como as obras se prolongam consoante o esmoler os estilos sucedem-se em catadupa. Este fenómeno de obra colectiva tem um senão, as camadas passadas são adulteradas e perdidas com a certeza de que o presente é melhor. Mas vai parecer sempre um pensador no futuro que mostra os melindres do passado. Julgo que a arte ainda não foi bem interiorizada, os portugueses ficam pela rama e desvalorizam os monumentos. Todos têm um valor que ultrapassa o estético. A sua funcionalidade suscita-me algumas considerações…


Será que todos aqueles floreados barrocos se destinavam a melhorar a aerodinâmica das igrejas? Se aqueles blocos de pedras sobrepostas estão quietos como um morto para que serviam todas aquelas velas? Cenário de ópera ou teatro? Chafariz gigante para aproveitar os efeitos da água da chuva? Desejo de libertação do sujeito artístico?


3.

Portugal, oito séculos de existência, ou serão nove séculos de existência? Se os historiadores não conseguem dizer onde é que foi posto no mundo Afonso Henriques, quantos anos viveu Luís Vaz de Camões, ou se Maria de Lurdes Pintassilgo era social democrata ou de esquerda? Então como é que ficamos!?


O tunning, hobby popularmente conhecido dos adeptos das transformações de automóveis de modo a tirar maior partido do design, melhorar o rendimento (dizem eles, está claro) e aumentar o estatuto social vive dias amargos em Portugal. Mas existe um outro tunning com um passado fantástico que não merece o desprezo de almas pobres; o tunning da memória nacional. As forças de lei estão autorizadas a punir os infractores do tunning automóvel mas não do tunning da memória nacional, porque é um fenómeno acarinhado. O estado que manda punir, mas autoriza a venda de produtos de tunning, exibe um comportamento desviante; mas não de todo, se atendermos que os membros da partidocracia que nos governa andam em carros que não precisam de alterações. Já trazem todos os kits possíveis e imaginários de origem. Os solitários que se dedicam a aplicar escapes Remus e amortecedores Koni, saias, ailerons e luzes com olhos de insectos florescentes andam a fomentar a máquina fiscal e a repressão do farol punitivo das polícias.


Mas o tunning dos monumentos, como foi visto nesta crónica é para continuar, pois deixemos os engenheiros riscar e os empreiteiros construir e reconstruir o nosso património como crianças a brincar com legos.