sexta-feira, junho 16, 2006

Crónica Do Demencial: "Quanto é que está?!"

O edifício mais central de uma vila ou aldeia em Portugal, é o café.

Se pensaram que era a junta de freguesia, é sinal de que não percebem de arquitectura popular portuguesa. A junta de freguesia, ou está num edifício pobre de velho, numa decrepitude espiralada de vermes, ou instalada num edifício aparentado com um armazém. Mas não é sobre arquitectura que iremos incidir esta crónica. É sobre o café; construção que se destaca das demais por ser um enorme paralelepípedo de cimento, que na parte inferior, vulgo “a loja” do antigamente, possui o chamado café. Mas sobre este local, falta ainda chegar ao objecto que propicia a pergunta mais comum que se realiza num café. O televisor com ecrã de plasma, ligado à parabólica, aos canais generalistas ou estatais, ao cabo; no qual se encontra o produto que consome 85% da programação, a Sport Tv.

Às tardes, e durante as noites, sendo umas mais ou menos “europeias”; com programas dedicados à avaliação de lances polémicos, uma ou outra avaliação que não incide sobre a proveniência da relva, sem esquecer o mal ruim que grassa na arbitragem e o caso do apito dourado, que aos poucos vai perdendo a sua dourada coloração e assume uma matiz de latão gasto, que sagazmente vai desinteressando as sumidades judiciais, perdendo-se nos corredores dominados pelos caudilhos do “Norte Atlântico” qual “Quinhentinhos” ou “Caso Calheiros”.

O televisor de plasma, é um espelho de água, das águas turvas e profundas do futebol, mas essa bola de cristal não explora só a monocultura do futebol. A Sport Tv, consegue ser mais diversificada, mas não tendo a fórmula um, ou a volta a Portugal em bicicleta. Outras modalidades aparecem no canal. Mas urge fazer uma questão, que para além de polémica, irá nos levar à monocultura que seca tudo à sua volta: o futebol.

Um jogo de hóquei, mesmo que disputado entre os grandes da modalidade, não interessa totalmente ao público do café, o mesmo se pode dizer sobre um jogo de basquete, ou andebol, as competições aquáticas, como o pólo aquático e o atletismo e a ginástica.

A excepção seja feita para os desportos com motores, que para uma minoria, actua como um sangue regenerador, ver máquinas vorazes em gritos metálicos no fim-de-semana equivale em ir à hemodiálise. Não é possível viver sem velocidade, é um requisito que nos é pedido a toda a hora. Existem ainda os desportos de salão, destes o bilhar, snooker, ou pool, são como pequenas drogas que aparecem esporadicamente, que também deixa pregados no televisor, durante algum tempo os clientes, mas é preciso lembrar aí desse lado, que são desportos de elite, que até exigem níveis de concentração para quem vê. Não são radicalmente populares, mas também tem bolas…

O segredo é ferro e borracha, os mesmos materiais que formam um automóvel. Se fossemos químicos poderíamos dizer que estes são os componentes básicos para se ter audiência num canal televisivo. Um automóvel, por muitos portugueses é tratado como uma bola de futebol. Sem ferro e borracha, com testosterona a servir de estanho, para fazer a ligação, nada feito. Um televisor que não apresente com primor uma boa dose de sangue, aço e nervo, é ignorado, considerado lixo de segunda categoria que nem vale a pena recolher.

Para o público que passa os dias de sol e chuva na entranha do café, apenas desportos com resultados concretos, nos quais entra o futebol, merecem ser adulados. Imaginemos que aparece algum estranho no local, e depara com o televisor a transmitir uma partida de patinagem artística; essa pessoa está impossibilitada de socializar, com a habitual pergunta –“Quanto é que está?!”

Um resultado concreto tem respostas concretas, e o futebol, é um deles, senão o único, se avaliarmos a quantidade de golos que é marcada. Por exemplo, já um jogo de basquete, ou hóquei, atinge muitas vezes resultados, que dificilmente são entendidos e apreciados pelo frequentador de cafés! E no caso do basquete, a sequência de play-offs, e eliminatórias é tão indescritível que o mais certo é mudar para outro canal que mostre coisas concretas como a luta livre ou o boxe.

Mas a programação da sport tv, e do segundo canal aos fins-de-semana, não transmite apenas futebol; dá-lhe relevo sobremaneira, mas outras modalidades também têm o seu quinhão. Devido a esse factor plural encontramos nos cafés e bares o seu televisor de plasma qual bombardeiro desportivo, ignorado. Por ventura, a pessoa mais atenta é sempre o “homem do balcão”, faz parte da estratégia, pois a qualquer momento, um novo cliente pode aparecer e perguntar, quanto é que está aquele jogo de boccia! E o “homem do balcão”, não pode, seja como for perder um cliente.

Moral da crónica, não existisse o futebol, o rugby seria o desporto número um, logo Brasil, numa seria uma potência dessa modalidade, e Portugal até já poderia ter ganho títulos regionais e mundiais, ou então encerramos esta crónica com a segunda parte da crónica, não existiriam tantos café e bares e o jogo da malha (o críquete dos latinos) seria um desporto popular com transmissão aos domingos à tarde, entre o andebol e as corridas de fundo!

(14.06.06) Searaman & Blinkboy

1 comentário:

JMC disse...

E onde fica isso? é mesmo ao pé do Café Central...