terça-feira, junho 03, 2008

Colaborações Demenciais 3 - Anónimo - Apelo à Imigração (ou à revolução)



Caros amigos,


Talvez tenha sido culpa do 1º de Maio, talvez da minha primeira tentativa de ingresso no mercado de trabalho (onde a PT me tentou seduzir com uns generosos 200€ por 20 horas semanais para ingressar num call-center - ou 450€ por 40h) - e que decisivamente me abriu boas perspectivas para o futuro (acho que em 2027 terei poupado o suficiente para ir ao dentista tirar esta cárie que me tem andado a chatear e, depois sim, poderei finalmente começar a fazer planos para ir a Albufeira passar um fim-de-semana), - ou talvez por estar desempregado e ter muito tempo livre, permiti-me fazer uma pequena pesquisa no Eurostat apenas para me rir dos meus irmãos europeus e consolidar a teoria de que somos o único país do mundo que é ao mesmo tempo desenvolvido e que tem sol.

Porém, o meu desapontamento foi grande quando descobri que éramos 19º país da Europa dos 27 com o salário mínimo mais baixo (quadro I) (o mesmo que a PT tão gentilmente me ofereceu). Mas nem tudo eram más notícias. Fui entretanto socorrido por um pensamento reconfortante: eu, no fundo, sabia que os quadros da PT fazem o que podem. Sabia que essa história de Portugal ter um dos parques automóveis mais luxuosos da Europa é pura mentira, que em Cascais vive gente que passa mal, e que se os senhores de fato e gravata na PT não me ofereciam mais uns trocos, era apenas porque eles próprios lutam dia-à-dia por ter comida em cima da mesa. Imaginem qual não foi a minha surpresa quando descobri que Portugal era o 26º país da Europa com maior fosso salarial entre os 20% que recebem mais e os 20% que recebem menos (quadro II - um dos medidores oficiais e principais da UE para estudar a desigualdade na distribuição nacional da riqueza).


Neste momento, talvez por estar perdido numa divagação numérica, apercebi-me que a minha salvação estava no facto de o meu corpo possuir um metabolismo altamente eficaz, produto, talvez, da genética apurada dos portugueses. Um pouco de matemática: o ordenado mínimo português corresponde a cerca de 2.80€ por hora. Mas o corpo humano, infelizmente, não hiberna, e gasta energia 24h por dia. Se dividirmos o ordenado mínimo mensal português (450€) pelas horas de um mês (720h), isso significa que o corpo médio do português (pelo menos dos que trabalham nos call-centers da PT), gasta apenas 63 cêntimos de ATP (energia) por hora. Se quisermos ser rigorosos, e considerar que este corpo ainda dá prendas de Natal e muito de vez em quando cede ao impulso de comprar um livro ou de se deslocar para ir ter com os amigos, surge-nos uma constatação extraordinária: o metabolismo dos portugueses é um dos metabolismos mais eficazes do mundo (sim, porque no meio disto tudo o nosso custo de vida é superior ao da média europeia - também está no Eurostat (http://epp.eurostat.ec.europa.eu/) - e por isso não adianta fazer comparações com a Roménia ou a Serra Leoa). Mais que aliviado perante a perspectiva de o meu tarifário corporal (20cts/h) ser tão baixo, foi a proposta de emprego da PT que me pareceu então ainda melhor, e sorri novamente perante a infelicidade dos meus irmãos europeus e da sua genética tosca. Senti apenas alguma compaixão por alguns amigos e pessoas que aqui vivem, que eu conheço, e que não foram contemplados com a maravilhosa genética lusitana. Por isso escrevi este mail, para poderem reenviar para amigos nessa situação (que não sejam quadros da PT), e que passem tão mal como passa aquela gente em Cascais. Talvez eles devam pensar em emigrar.


Eu sei que o Sol também conta e que a estatística é muito aborrecida. Mas, neste caso, peço-vos para , durante um minuto, passarem os olhos pelos quadros (porque os seus números são brutais, e a relação entre eles - quadros - é também esclarecedora) e para reencaminharem isto se acharem que pode ajudar alguém, especialmente quem ainda estiver preso nalguma indecisão geográfica.


Um abraço,


F.L. - licenciado, desempregado, mas orgulhoso do seu metabolismo.


Quadro I
Salários Mínimos da Europa dos 27 – dados do Eurostat relativos ao ano de 2008

€ - / €
1. Denmark 185027.89/h -
2. Luxembourg 1570/ 1570
3. Ireland 1403/ 1499
4. Sweden 1382/ -
5. UK 1361/ 1381
6. Netherlands 1301/ 1317
7. Germany 1277/ -
8. Belgium 1258/ 1283
9. France 1254/ 1280
10. Finland -/ -
EU Average of Big 15 1160
11. Austria -/ 1000
12. Italy 866/ -
13. Spain 666/ 600
14. Greece 668/ 657
15. Malta 585/ 617
16. Slovenia 522/ 538
17. Cyprus 409/ 741
18. Portugal 470/ 426
19. Czech Republic 288/ 303
20. Hungary 258/ 271
21. Poland 246/ 311
22. Estonia 230/ 278
23. Slovakia 217/ 241
24. Lithuania 174/ 303
25. Latvia 172/ 227
26. Romania 114/ 140
27. Bulgaria 92/ 112

Quadro II
Desigualdade na distribuição do rendimento nacional na Europa dos 27 (Coeficiente de Gini: rácio do rendimento total recebido pelos 20% de população com rendimento mais elevado em relação aos 20% da população com rendimento mais baixo) – dados do Eurostat relativos ao ano de 2006


1. Slovenia 3.4
2. Denmark 3.4
3. Bulgaria 3.5
4. Sweden 3.5
5. Czech Republic 3.5
6. Finland 3.6
Iceland 3.7
7. Austria 3.7
8. Netherlands 3.8
9. France 4
10. Slovakia 4
11. Belgium 4.2
12. Luxembourg 4.2
13. Malta 4.2
14. Cyprus 4.3
Norway 4.6
15. Ireland 4.9
16. Spain 5.3
17. Romania 5.3
18. United Kingdom 5.4
19. Estonia 5.5
20. Germany (including ex-GDR from 1991) 4.1
21. Hungary 5.5
22. Italy 5.5
23. Poland 5.6
24.Lithuania 6.3
25. Greece 6.1
26. Portugal 6.8
27. Latvia 7.9

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