quarta-feira, maio 23, 2007

Discurso Hipócrita e Mentiroso - por Jorge Olímpio Bento

“Há algumas semanas numa aula, antes de iniciar a abordagem ao tema desporto, perguntei aos estudantes quais eram os assuntos da cena nacional e internacional que mais os preocupavam.
Na altura estava em alta a questão da licenciatura do nosso PM e tinha acontecido um massacre numa universidade dos EUA.

Da cena internacional os estudantes pegaram no massacre dizendo-se chocados mas não surpreendidos, por ele ser expressão da cultura e mentalidade bélicas que tomaram conta da razão norte-americana. No cenário nacional foi eleita como preocupante a situação de desemprego que afecta dezenas de milhar de jovens licenciados de verdade.

Não sei se os leitores já ponderaram sobre o assunto. O desemprego de tantos milhares de licenciados é um problema muito grave não só para os atingidos, mas sobretudo para o presente e futuro do país. É contra todos os princípios de humanidade e justiça, de equidade social e de visão estratégica e política que se deprecia o investimento feito pelos jovens e suas famílias e que se desperdiça um tão elevado capital de conhecimento e formação.

Os jovens em causa construíram sonhos e ideais, conceberam projectos superiores de vida, concluíram os seus cursos cheios de ambições, com força de vontade e criatividade, com enorme potencial de dinamismo e renovação, dispostos a dar o melhor de si à comunidade – e em cima de todo este manancial de euforia, esperança e optimismo é derramado um balde de desconsideração e pessimismo. À espera deles estão o vazio, o desprezo, a desconsideração, a frustração e o desespero. Afinal estudaram, esforçaram-se, trabalharam, investiram – e não foi pouco! – e não vêem nada reconhecido.

Ouviram e ouvem a toda a hora – da boca dos políticos em geral, e dos governantes em particular, dos donos das grandes empresas e serviços, dos peritos em relatórios e dos oráculos dos órgãos mediàticos – que o pais carece de mais licenciados, mestres e doutores e são agora obrigados a confirmar que todos esses discursos e declarações não passam de logro e hipocrisia.

Quando e como é que estes jovens vão constituir família? Quando é que vão alcançar um emprego decente? Se o conseguirem será quando as suas melhores energias estiverem gastas e as suas ilusões sufocadas pela dúvida, pelo desencanto, pela frieza e ansiedade, isto é, quando estiverem exauridos do potencial de entusiasmo e inovação, de entrega generosa e trasbordante que por certo levariam para a sua profissão. Se o país trata assim os seus jovens, se os condena a serem vencidos da vida, que presente quer afirmar, que amanha quer construir?!

As implicações desta realidade são diversas e profundas e mostram que o país não é pensado a sério, que se mente e mantêm a farsa em todos os sectores, que há corporações com interesses nada sintonizados com a formação sólida dos quadros. Não se deseja transcender a barreira do obscurantismo.

O que se quer é gente formada pela rama e à superfície em cursinhos feitos a correr, gente que possa ser facilmente ludibriada e manipulada, submissa e incapaz de se pensar a si, aos outros, às coisas e causas, de erguer questões e problemas e a quem seja paga uma ninharia.

Isto é pura verdade. É esta a formação que interessa; a outra – exigente, alargada e profunda – é indesejada."

Jorge Olímpio Bento em o jornal “A Bola”

3 comentários:

Maria do Consultório disse...

Sem dúvida. Quando tiver 40 anos, será que já posso pensar em engravidar? Talvez não...é melhor não me precipitar.

eskisito disse...

Infelizmente, pela parte que nos toca.

Anónimo disse...

Não parem, não…e depois ?

Todo o cidadão precisa de estabilidade, de algumas certezas para consolidar os seus projectos e sonhos e ser realmente o alicerce de uma nação, a força de um pais.

Não será com a politica deste governo – assente no fecho e destruição de serviços públicos, na precariedade dos vínculos laborais, na liberalização desregulada das relações de trabalho, no apadrinhamento de recibos verdes para toda a vida e outras trafulhices, na vigarice encoberta das avaliações, nos horários desumanos que não deixam tempo para a família (quanto mais para olhar as estrelas), com tão incertos direitos e salários tão baixos que ate são marketing de um ministro... – que o nosso pais terá cidadãos preparados para enfrentar os tais desafios da globalização que nos andam a meter medo.

É com falsas promessas e arrazoado profundamente estudado por manipuladores doutorados ao domingo que os nossos trabalhadores estão a ser esmagados e empurrados para condições idênticas às do século XIX e os bancos e grandes empresas têm lucros nunca vistos.

É tempo de dizermos basta; é tempo de lembrar que é a força dos braços dos portugueses – povo que fez e fará andar o nosso pais. Todos devemos lutar para deixar um futuro melhor aos nossos filhos. Às vezes é mesmo preciso pararmos todos ao mesmo tempo, para que o governo veja que sabemos e não aceitamos o desprezo com que estamos a ser tratados.

Se não actuarmos já, depois... depois será muito tarde.

Maria Moriera